HAIKU DA QUARENTENA

David Rodrigues (org.)

Página em construção!

Haiku da Quarentena

Organização: David Rodrigues (3ª Edição)

30 de março de 2020

Apresentação

Março de 2020 ficará sempre na nossa memória. Foi o tempo em que começamos a ficar confinados em casa para não dar ao coronavírus a oportunidade de nos contagiar.
Confinado a casa, lembrei-me de desafiar os meus contatos da rede social Facebook a escreverem um haiku.
Reproduzo aqui o texto do convite:

HH – Haiku Hoje.

Tenho sido, como sabem, um persistente (mesmo teimoso) divulgador da poesia haiku. Para quem não se lembra, os poemas neste estilo “haiku” são poemas cuja origem é o Japão e que se distinguem por serem muito curtos (espera-se que tenham cerca de 17 sílabas…) com uma forte ligação à Natureza e ao momento presente.
Uma característica que sempre me interessou no haiku é o seu caráter narrativo. Poderão perguntar: que tipo de narração se pode encontrar num texto que tenha só 17 sílabas? Parece impossível, mas pode.
A narração do haiku passa-se entre algo que é fixo, que é esperado e de certa forma imóvel e algo que se move, que se destaca desta imobilidade. A narração do haiku vem desta tensão entre o que é esperado e permanente (por exemplo uma estação do ano ou um espaço) e algo que rompe este equilíbrio, algo que se assume como disruptivo e, assim, nos chama a atenção.
A poesia nasce, neste caso, desta tensão, deste inesperado, deste conflito.
Um exemplo:

Manhã de domingo
Com o canto dos melros,
ao longe, uma sirene.

 

E agora vem o principal: vamos escrever um haiku?

Postem aqui:

As respostas foram entusiasticamente positivas e aqui fica o repositório dos poemas haiku que os amigos de Portugal e do estrangeiro fizeram chegar.
No final desta publicação, incluo um conjunto de 25 haiku que fui escrevendo durante este tempo.

Que estas poesias sejam lidas com o mesmo afeto com que foram escritas e organizadas.

Estamos juntos!

David Rodrigues
(Ame o Matsu)

Dia de Sol

com a família

hoje e sempre.

 

Luis Fânzeres

Terra mãe

no cimo de fino ramo

um cuco. 

 

Paula Ferreiro

Deitada.

Lá fora o silêncio.

Ainda?

 

Carlota Pimentel

Um paquete entra

no rasgo de mar.

Embarcando vírus?

 

Inês Gomes

Domingo de sol

Brisa fresca

As mesmas notícias…

 

Fernando Ferreira

Sonhos

mesmo além

da linha do horizonte

 

Valéria Freitas

Homens quedos.

A primavera vem

na flor do pessegueiro.

 

Inês Gomes

Janela aberta:

canta o pássaro

alheio ao medo.

 

Inês Gomes

Estou em casa.

A romper o silêncio,

as aves cantam.

 

Maria João Antunes

Medo, angústia

e incerteza.

Mas a esperança perdura!

 

Fátima Teixeira

Rosto na almofada,

Olhos cerrados.

Um beijo quente.

 

Isabel Fernandes

Sol em Mirandela.

Olho da janela.

Música dentro de casa!

 

Isabel Isabel

Monogamia!

só te quero a ti,

poesia.

 

Susana Rodrigues

No silêncio da manhã

uma gata salta

sem rede. 

 

Elsa Correia de Freitas

Domingo

do quente dos lençóis

ouço a rola.

 

Margarida Belchior

Pôr do sol

olho os retratos

de quem morreu.

 

Graça Ferreira Faria

Da quarentena,

desponta, indiferente,

a Vida.

 

Agostinha Fernandes

Saudade da criança

abraço no horizonte

habita em mim.

 

Lina Gameiro

Papoila

no meio do campo.

Não se ouvem os pássaros.

 

Giesta Maria

Cidade vazia

esvoaçam os pássaros

no Sol da Primavera.

 

Rute & Núria

Desponta o Sol:

nos rostos sérios,

um sorriso.

 

Coque Flores (Espanha)

Flor em botão

parece ter sido chamada

pelo canto do pássaro.

 

Paula Beleza

Por quanto tempo

vai ainda brilhar

o Sol da Primavera?

 

Isabel Passarinho

O frigorífico

ficou tão frio

que vou ter de comprar outro.

Karine Oliveira (Brasil)

Mar calmo.

Como o posso olhar

sem sofrer?”

 

Berta Macedo

Ilude o silêncio

A Natureza

equilibra o caminho.

 

António Gonçalves

Ontem, euforia.

Hoje, dor.

Amanhã, libertação!

 

Fernando Elias

Partilho o pão

com ele uma fatia

de alegria.

 

Isabel Faria

Ambos em silêncio:

o medo e a esperança

juntos.

 

António Castel-Branco

O vazio do medo.

Mas no horizonte

desponta a alvorada.

 

António Castel-Branco

Bandos de pássaros

na planície –

os humanos sós 

 

Amália Rebolo

Eu e a sombra

jogamos ao toca e fica

como o Peter Pan.

 

Amália Rebolo

Luar no Brasil

ilumina a terra

com amor.

Milena Pedro de Morais (Brasil)

Outono.

A mudança seca o mal:

fica a esperança.

 

Akemi Ischiara (Brasil)

Mar vazio

sinto ainda mais a melancolia

dos dias diferentes.

 

Helena Camacho

Já brilha o sol

na cidade adormecida.

Esperança enorme.

 

Helena Camacho

Cresce o miar

Gato preto, gato amarelo

ciúmes do pelo?

 

Helena David

Fome nos dentes

Vazios os braços

Na dança da ausência

 

Helena David

Lenta a manhã

Escorre entre raios

saltitantes de Sol

 

Helena David

Leve o sonho

O futuro embala

Em raios de lua.

 

Helena David

Laranjeira em flor.

canta o melro

no silêncio dor.

 

Paula Oliveira

Olhamo-nos

e somos de repente

só animais

 

Albino Pereira

Nuvem solitária,

Pegadas frescas.

Baixo, o voo.

 

Isabel Fernandes

Escuridão da noite.

Ao longe, ao vento,

uma luz tremula.

 

David Monge da Silva

As estrelas brilham

só para os olhos

que se levantam.

 

David Monge da Silva

Silêncio no porto

por entre os barcos parados

uma ave desenha.

 

David Monge da Silva

Na rua deserta,

os pássaros dão

um concerto primaveril.

 

Lúcia Ferreira

Desce a água

do alto da montanha

e chega à amendoeira.

 

Maria Afonso

Ruas silenciosas

juntos o medo e o aroma.

Laranjeiras em flor.

 

Maria Graciete Brito

Chega a Primavera

mas tudo

fica igual

 

Zita Pereira

Dias de pandemia –

Mais preciosos que nunca,

Amigos do Face!

 

Franklin Magalhães (Brasil)

Quarentena –

A segunda lua de mel

há muito sonhada.

 

Franklin Magalhães (Brasil)

Luta surda:

o vírus contra a esperança

nas ruas vazias.

Ângelo Battistini Marques (Brasil)

O Sol quente

amorna

o tempo morto.

 

Dídia Lourenço

De longe a longe,

um pato selvagem

cruza a janela.

 

Lécio Ferreira

primavera

conto à janela

os espirros

 

Lécio Ferreira

ecoa no jardim

o choro do meu filho

é hora de voltar

 

Lécio Ferreira

onze dias a olhar

os rebentos da figueira

pela janela

 

Lécio Ferreira

Isolamento:

juntos

e separados.

 

Maria João Lopes

Mar vazio

sinto ainda mais a melancolia

dos dias diferentes.

 

Helena Camacho

Contigo, amigo,

sigo, linha a linha.

Limo a sombra do perigo.

 

Paula Pina

Amigo, meu ninho,

contigo alinho, linha a linha

em ti me aninho.

 

Paula Pina

Matando o tédio

A comida borbulha

No tacho

 

Teresa Roque

Na relva intocada

Corre despreocupado

Um cão

 

Teresa Roque

Solitário

O escorrega

Mil desejos carrega

 

Teresa Roque

Do tronco imóvel

Despontam asas

Verde esperança

 

Teresa Roque

A luz do amanhecer

traz a esperança.

Lá longe, a escola.

 

Graça P. Gonçalves

Gato ao Sol

Cacto florido

Varanda prisioneira

 

Carla Hébil

É de noite

Porém, no firmamento

As estrelas brilham

 

Maria João Antunes

Mentes fechadas,

mas todos os futuros abertos

Agora.

 

Carina L. Faria.

Estou só.

Na multidão, a solidão

dói com o ruído.

 

Isabel Faria

Sol Primaveril,

casa húmida

arco iris na janela

 

Anuska Teixeira

A noite caiu.

Ensurdecedor

é o som do silêncio.

 

Margarida Loureiro

Amanheceu.

Vazio o abraço

Que o Sol aquece.

 

Margarida Loureiro

Olho o gato

e contagio-me

com a sua mansidão.

 

Graça Franco

Beija -me o sol

por entre as grades

invisíveis

 

Lúcia Ferreira

Areia branca…

Molha-me o

pensamento

 

Lúcia Ferreira

O cão brinca:

sob o brilho do Sol

sei que não estou só.

 

Ana Duarte

Estoy solo

Me descubri.

Estoy contento.

 

Jorge Brusca (Argentina)

autoisolamento –

vizinhos passear com os cães,

em silêncio.

 

Tomislav Maretic (Croácia)

a praça, os balanços

continuam vazios

crianças em casa…

 

Vanice Zimerman (Brasil)

Sempre em casa,

Faltam os netos…

mas não sobra tempo!

 

Augusto Castro Ribeiro

No jardim vazio

vejo os meus netos

a rir e a correr.

 

Augusta Dias Ribeiro

“Fique em casa!”

diz o altifalante do carro

que passa na minha rua.

 

Fernando Ferreira

Lá fora

chove silêncio e medo

Primavera incompleta.

 

José Diogo

Ouço ao longe os pássaros

E de perto a solidão.

 

Vivi Reis

Uma gota anuncia

O que dentro não se via.

 

Vivi Reis

Olhos humedecidos

pela brancura da gravidade –

flocos de neve em abril.

 

Richard Zimler

Grito murmurado.

Apressa-se a última estação

Antes do tempo das cerejas.

 

Gaspar Vaz

Confinamento? 

Tédio

profundo.

Luis Aroldo de Soutello (Brasil)

O sol não ficou em casa

as cerejeiras floridas

iluminam a Primavera.

 

Edite Estrela

Acordei com o ladrar dos cães,

Nuvens escuras pairavam no ar,

Agora chove, está frio…

Fernando Ferreira

minha morada –

é onde eu compreendo

a cor do crisântemo

Ruisu Ukezara (heterônimo de Ziul Serip) (Brasil)

puxo meu casaco

sob a escuridão em queda

sobre nossos corpos

Ruisu Ukezara (heterônimo de Ziul Serip) (Brasil)

gaiola de bambu –

libélulas capturadas

não voam mais

Ruisu Ukezara (heterônimo de Ziul Serip) (Brasil)

mar de solidão –

logo nos encontraremos

ao fim dessa névoa

Ruisu Ukezara (heterônimo de Ziul Serip) (Brasil)

meu coração, ao ocaso

serenamente

repousa

também em meu interior

na busca do silêncio da luz

Ruisu Ukezara (heterônimo de Ziul Serip) (Brasil)

Outono por perto

Circulam pela cidade

Dúvidas e vento

 

Carlos Viegas (Brasil)

Uma flor

dada com amor

cresce como ikebana.

 

Marta Gil (Brasil)

Luar, noite de verão

Música no jardim 

Nada a interrompe 

 

Isabel Lowndes Marques

Música no verão

Nada a perturba 

Senão jantar

 

Isabel Lowndes Marques

A esperança

espera escondida

no reflexo da vela.

 

Patrícia Silva dos Santos

Pássaros em casa –

lá fora a Primavera voa

no seu esplendor.

 

Isaura Esmeriz

Confinamento?

Tédio

profundo.

 

Luís Haroldo Gomes de Soutello (Brasil)

Assustados,

os dois na cozinha:

— a menina dança?

 

Luzia Lima-Rodrigues

1.

Nas ruas da cidade

é agora

domingo todos os dias.

2.

Segurar

um inimigo invisível.

Agarrar a água.

3.

Olho as janelas:

menos aquelas por onde

entra o Sol.

4.

Ruas desertas:

Parece que o vírus

vai ficar sem abrigo.

5.

Olho o roupeiro:

que faz toda ali

toda aquela roupa

6.

Compro

em vez de uma dúzia de ovos

duas.

7.

A sandes de hoje

foi servida no serviço

da Vista Alegre.

8.

Aquela garrafa

de vinho especial?

Não resistiu ao vírus.

9.

Levanto o olhar.

As nuvens asseguram-me

que tudo passa.

10.

Dia sem vento.

As árvores quietas

para não acordar o vírus.

11.

Planeio e planeio…

Como mandar

uma carta?

12.

Agenda de amanhã?

Não preciso olhar:

é a mesma que hoje.

13.

O que falta à vela

quando se apaga,

é a luz e a paz.

14.

Oppsss…quase me esquecia

de dar um abraço

às pessoas cá de casa!

15.

Seguro um seixo na mão.

Ele e eu

saudosos do mar.

16.

O meu cão não respeita

A distância social.

(Ainda bem!)

17.

Sempre que bebo água,

desejo que o vírus

não saiba nadar.

18.

Personal trainer:

será que aquele corpo

fica assim até à semana?

19.

Já consigo

calçar os chinelos

às escuras.

20.

Parece…

Que tudo que era novo parou.

Só sobrou a rotina.

21.

Faço o arroz:

agora meio tomate

já chega.

22.

De seda,

as papoilas.

E de esperança.

23.

Penduradas

e tristes,

as gravatas.

24.

Sem medo,

rebentam, roxas,

as flores do jacarandá!

25.

A brisa perfumada

vem do jardim

agitar o teu vestido.

David Rodrigues

HAIKU DA QUARENTENA

Organização: David Rodrigues.

Edição: Vindas Educação Internacional.

30 de março de 2020.

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